quinta-feira, 2 de novembro de 2017

 2.3 Educação Infantil e os Paradigmas da Contemporaneidade

Em 1996, com a implementação da LDB[1], lei 9394/96[2], grifou-se a Educação Infantil como a base da Educação Básica, e mesmo antes disso, na Constituição de 1988, a lei já garantia à criança o direito de estar nas creches e pré-escolas, por isso se observa essa grande expansão da Educação Infantil pelo país. Mas para se alcançar essa realidade, o ensino infantil pereceu por muito tempo destinado às classes mais pobres e menos favorecidas de nossa sociedade.
As escolas de Educação Infantil no Brasil passaram por privações culturais, uma vez que eram vistas como obras assistencialistas, não sendo reconhecidas como locais de estudo, mas como espaços onde as mães ou as famílias que não tinham condições financeiras poderiam deixar seus filhos; até atingirem seu patamar educacional, os acontecimentos citados lhes custaram muitos rótulos.
 Diferente da Europa e dos Estados Unidos, no Brasil, as escolas de Educação Infantil ou creches não tiveram seu caráter pedagógico, mas sim de assistência, como as rodas do exposto, que eram apoiadas pela alta sociedade. Contudo, o maior intuito era esconder o adultério das mulheres ou os filhos das mães solteiras, quase sempre filhos de mulheres da corte, pois somente essas tinham motivos para constrangimento e para se descartarem do filho indesejado.
A sociedade ainda via a criança como um ser indiferente, ao mesmo tempo em que retirava do homem a responsabilidade da paternidade, visto que se vivia numa sociedade patriarcal. A criança era algo sem muita importância, “concebida como um objeto descartável, sem valor intrínseco de ser humano” Rizzo (2003). Tudo isso contribuiu para a “Roda de Exposto”[3]. Sendo que no Brasil ela só foi extinta a partir de 1923 com o decreto nº 16.306 que vetou a Roda de Expostos na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal.
 As creches são resultado da articulação de interesses políticos, médicos, empresariais, jurídicos, pedagógicos, religiosos e econômicos; os primeiros registros sobre creches no Brasil datam de 1879. O despertar do interesse da medicina pelo universo infantil no Brasil se deu a partir de meados do século XIX e se intensificou nas primeiras décadas do século XX.  Onde os médicos-higienistas condenavam práticas como a contratação de amas-de-leite do sistema Roda de Expostos. A década de 1970 marca-se pela entrada triunfal da influência médico-higienista nas questões educacionais.
Fatores como a mortalidade infantil e a desnutrição acabaram por chamar a atenção das autoridades da época, inclusive as religiosas, empresários e educadores, fazendo com que pensassem em um local para as crianças, surgindo assim as creches; esse seria um local diferente do âmbito familiar, “ o problema é que a criança começou a ser vista pela sociedade com um sentimento filantrópico, caritativo, assistencial, começando a ser atendida fora da família” Didonet, (2001).
A visão que funda a creche, portanto, não é voltada para a criança, ou mesmo para a mulher, mas a das necessidades oligárquicas e posteriormente capitalistas. A creche era pobre porque era para os mais necessitados (e negros): crianças e mães. Para os mais pobres e as mães trabalhadoras, a creche passou a ser um local onde deixariam os filhos em alguns períodos, mas que mesmo assim a educação ainda era papel das famílias, tornando claro que seria apenas um local para deixar e não para transmitir a educação, como cita Didonet:

Enquanto as famílias mais abastadas pagavam uma babá, as pobres se viam na contingência de deixar os filhos sozinhos ou colocá-los numa instituição que deles cuidasse. Para os filhos das mulheres trabalhadoras, a creche tinha que ser de tempo integral; para os filhos de operárias de baixa renda, tinha que ser gratuita ou cobrar muito pouco; ou para cuidar da criança enquanto a mãe estava trabalhando fora de casa, tinha que zelar pela saúde, ensinar hábitos de higiene e alimentar a criança. A educação permanecia assunto de família. Essa origem determinou a associação creche, criança pobre e o caráter assistencial da creche (Didonet, 2001, p. 13).

As creches não tinham esse caráter educacional, estavam mais voltadas para o assistencialismo e a caridade com os mais pobres, pois os ricos tinham condição de pagar pessoas para cuidarem das suas crianças, enquanto as famílias mais pobres pagavam pouquíssimo, ou nada; era um serviço pobre para os pobres, mas somente de cuidados. Sendo assim, não abriam mão da educação, que sempre ficava sob os cuidados diretos das famílias.
Mesmo tendo um caráter assistencial, as creches tiveram seu advento ainda nas rodas de expostos, cuidando de crianças abandonadas pelas famílias. Essas rodas funcionavam em casas que tinham uma roda divida ao meio. A mãe, ou alguém da família, colocavam a criança na mesa e giravam-na, puxando uma corda que tocava o sino e avisava que uma criança acabara de ser abandonada; ao fazer esse acolhimento, iniciava-se o assistencialismo, portanto, as creches, “apresentavam as suas justificativas para a implantação de creches, asilos e jardins de infância onde seus agentes promoveram a constituição de associações assistenciais privadas” Kuhlmann Jr. (1998). Ao extinguirem as rodas de exposto, criavam algo, se não igual, mas com o mesmo intuito de ajudar diretamente de forma caridosa as crianças.
As creches tiveram o seu momento de apogeu. Assim, passaram a cuidar mais das crianças. No âmbito federal, criaram-se vários órgãos de proteção à criança, direcionando-as no caminho da educação, como cita Kuhlmann Jr.:

No nível federal, a Inspetoria de Higiene Infantil, criada em dezembro de 1923, é substituída em 1934 pela Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância, criada na Conferência Nacional de Proteção à Infância, em 1933. Em 1937, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública passa a se chamar Ministério da Educação e Saúde, e aquela Diretoria muda também o nome para Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância. Em 1940, cria-se o Departamento Nacional da Criança (DNCr) (Kuhlmann Jr., 2000, p. 8).

Em praticamente todos os âmbitos a criança tinha um órgão que a protegia, que dava assistência de forma social. É preciso destacar que grande parte das crianças atendidas pelos órgãos era pobre, e que seus familiares tinham que deixá-las nas creches para poder trabalhar. As creches, por sua vez, ainda não desenvolviam diretamente a educação com conteúdos: eram tidas como passatempo. “A discussão sobre o papel da educação infantil encontrava fortes argumentos para se entender à orientação assistencialista como não-pedagógica, tanto em aspectos administrativos – como a vinculação de creches e pré-escolas a órgãos de assistência social” Kullmann Jr (2000). As escolas e creches não tinham sido vistas ainda como locais de aprendizagem, com teorias e planos pedagógicos.
A Educação Infantil no Brasil ganha força, mas não por uma questão educacional. Com a expansão das indústrias e como uma forma de conter os grandes movimentos sindicalistas que passaram a exigir mais qualidade e melhorias, e os empresários começam a oferecer benefícios, entre eles a implantação de creches, como sugere Oliveira:

Os donos das fábricas, por seu lado, procurando diminuir a força dos movimentos operários, foram concedendo certos benefícios sociais e propondo novas formas de disciplinar seus trabalhadores. Eles buscavam o controle do comportamento dos operários, dentro e fora da fábrica. Para tanto, vão sendo criadas vilas operárias, clubes esportivos e também creches e escolas maternais para os filhos dos operários. O fato dos filhos das operárias estarem sendo atendidos em creches, escolas maternais e jardins de infância, montadas pelas fábricas, passou a ser reconhecido por alguns empresários como vantajoso, pois mais satisfeitas, as mães operárias produziam melhor (Oliveira, 1992, p. 18).
O resultado da implantação de creches, maternais e jardins de infância não era visto como prioridade para o desenvolvimento do menor, e sim para que as mães operárias, sentindo-se segura a respeito de seus filhos, fossem capazes de produzir mais e melhor, e estando perto da cria, estariam satisfeitas com seus patrões. Mas as creches, nessa altura do século XX, passaram por um processo dicotômico, ou seja, desviavam seu caráter de assistencialismo a favor da larga produção industrial, a favor dos patrões e não da educação que essas crianças teriam.
Com o surgimento dos movimentos feministas advindos dos Estados Unidos em meados de 1970, as mulheres acabam por despertar uma exigência maior sobre os direitos e começaram a cobrar uma educação compensatória, que retiraria os seus filhos da extrema condição de pobreza e riscos; faltariam a essas crianças, privadas culturalmente, determinados atributos ou conteúdos que deveriam ser nelas incutidos.
Essa compensação viria em forma de educação, mas, mesmo assim, não seria o suficiente para sanar toda a carência da pobreza existente. De acordo com Kramer, a respeito dessa tentativa de suprir a carência educacional:

A proposta que ressurge, de elaborar programas de educação pré-escolar a fim de transformar a sociedade no futuro, é uma forma de culpar o passado pela situação de hoje e de focalizar no futuro quaisquer possibilidades de mudança. Fica-se, assim, isento de realizar no presente ações ou transformações significativas que visem a atender às necessidades sociais atuais (Kramer, 1995, p. 30).

Passam a culpar o passado por algo que desde sempre aconteceu, a desvalorização da criança e a negligência quanto à sua educação, ao passo que os governos se isentavam de investir no presente, deixando de lado qualquer forma de investimento na educação para os menores de 0 a 6 anos, e o pouco que faziam não era com a visão educacional, mas apenas como um pretexto social e sob uma visão beneficente.
A educação no Brasil começa sua expansão por São Paulo, e tem no manifesto dos pioneiros da Escola Nova uma função básica, que é a de aproximar as instituições das crianças e desenvolver nas instituições de educação e assistência física e psíquica as crianças na idade pré-escolar (creches, escolas maternais e jardins-de-infância) e de todos os núcleos pré-escolares e pós-escolares, trazendo para o cotidiano dos segmentos os cuidados necessários para manter a criança dentro das escolas, dando-lhe, assim, suporte para se desenvolver como pessoa.
Com o tempo, as escolas maternais deixaram de ser tachadas como escolas para pobres e passaram a ser vistas de forma mais educativa. Com a criação dos parques infantis, que se iniciam em São Paulo e depois se expandem em Minas Gerais, Distrito Federal, Recife, Bahia, Rio Grande do Sul e no próprio interior paulista, as crianças começam a ter uma local que dá indícios de que as instituições tendem a cuidar não só do cotidiano das mesmas, mas também da sua educação como um todo; nesse momento, as escolas já começam a sair do assistencialismo para uma postura mais voltada à educação de conteúdos; ressaltando essa mudança, “Os médicos do DNCr[4] não se ocuparam apenas da creche, mas de todo o sistema escolar, fazendo valer a presença da educação e da saúde no mesmo ministério” Kullmann Jr (2000). Ao surgirem as preocupações não só com a saúde, mas com a educação direta do menor carente, cria-se um novo modelo em educar com conteúdos e não somente as brincadeiras, os passatempos e cuidados com a saúde da criança. 
Embora a conquista da Educação Infantil no Brasil tenha mais de um século de existência, foi somente nos anos 90 que passou a ter um maior valor para a família, para a sociedade e para o governo, que a tornou obrigação para a família,embora tenha mais de um século de história, como cuidado e educação extradomiciliar, somente na década de 90 foi reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever do Estado e como primeira etapa da Educação Básica” Farias (2007). E com a inclusão da Educação Infantil na LDB 9394/96 é que se verificou a necessidade de educar cada vez mais cedo.
A verificação de que a Educação Infantil é uma necessidade na formação de uma sociedade igualitária é motivo para que as grandes mudanças notadas nos últimos trinta anos sejam cada vez mais percebidas, e que existam investimentos mais rápidos e eficazes na educação dos anos iniciais, como coloca Kramer:

A situação da cobertura se alterou muito nos últimos 30 anos no Brasil, com avanços mais visíveis em relação às crianças de 4 a 6 anos, mas com um panorama ainda preocupante em relação àquelas de 0 a 3, nas creches. No que diz respeito à qualidade do trabalho realizado, os debates teóricos, os embates dos movimentos sociais e os esforços das políticas públicas (se­cretarias municipais, secretarias estaduais e Ministério da Educação) têm-se dirigido especialmente à busca de consenso sobre os critérios de quali­dade para a educação infantil, o delineamento de alternativas curriculares e a formação de professores. Persistem inúmeros desafios: da concepção de políticas à implementação de propostas pedagógicas e às práticas, muitas são as conquistas a obter, tanto em termos teóricos quanto curriculares (Kramer, 2009, p. 13).

Preocupações não somente com relação ao investimento financeiro, mas com os resultados que estão prestes a serem colhidos; os desafios também são muitos, tanto nas propostas quanto nas práticas, nos conteúdos, nas teorias, nas políticas públicas para a educação geral e infantil, e, sobretudo, a respeito da qualidade do trabalho aplicado na sala de aula, acerca da formação dos professores.
 Pensando nisso, o governo cria em 1990 o RECNEI (Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil), que tem o propósito de formar e direcionar o professor da Educação Infantil no desenvolvimento de seu trabalho como educador. O RECNEI consiste em um guia de reflexão, cujo objetivo é contribuir para a elaboração dos projetos edu­cacionais propostos pelas instituições de Educação Infantil; essas reflexões são as bases que cada professor vai trabalhar para melhor desenvolver seu trabalho como educador.
Os movimentos sociais que se deram nas últimas três décadas, inclusive resultando nos textos da Constituição de 1988, ECA, LDB e Plano Nacional de Educação e FUNDEB, transformaram o conceito de creche em um direito da criança, passando a dar um suporte maior e uma ênfase mais justa e digna na educação dos pequenos, deixando de ser uma educação assistencialista para ser uma educação de conteúdos, de desenvolvimento cognitivo, de formação da cidadania e criticidade da realidade.
Ao desenvolver essa Educação Infantil, seria impossível não desenvolver uma capacitação para o professor das séries iniciais; alguns projetos são trabalhados, levando assim uma capacitação maior para o educador. O Proinfatil e o Proletramento são projetos que, articulados, levam uma gama muito grande de informação e formação para o profissional dessa área especifica. De acordo com Brasil, o Proinfantil é:

Curso em nível médio, à distância, na modalidade Normal. Parceria entre o Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Básica e da Secretaria de Educação à Distância. Destinado a professores da Educação Infantil, em exercício nas creches e pré-escolas das redes públicas, municipais e estaduais, e da rede privada, sem fins lucrativos, comunitárias, filantrópicas ou confessionais, conveniadas ou não. Carga Horária: 2 anos, 3.200hs distribuídas em quatro módulos semestrais de 800hs cada. A Matriz Curricular está dividida em seis áreas de conhecimento. Em 2007, o programa atendeu o total de 2.877 professores de 191 municípios brasileiros (Brasil, 2000, p. 4).

Nessa formação, os professores aprendem técnicas e teorias que os ajudam no processo educacional, aprendendo a lidar com crianças e suas inesperadas situações. Muitos docentes conseguem atingir um bom trabalho e passam a ver resultados bem rápidos; claro que não é algo só da escola e do educador, é necessário também uma participação familiar, uma interação entre escola, família e comunidade para fazer valer essa educação. A LDB 9394/96, no seu artigo 29, diz que: “A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus espaços físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. De nada vale o educador trabalhar sozinho se a família não integrar diretamente esse encargo.
Garantir a educação é algo que está nas leis desde muito tempo, embora só recentemente se esteja fazendo valer essa legislação, principalmente no que diz respeito à educação de crianças de zero a seis anos. O artigo 30, I, da LDB afirma que: “A Educação Infantil será oferecida em creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II: pré-escolas para crianças de quatro a seis anos de idade”. Além de ser algo garantido também na Constituição Federal de 1988, que diz: O dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988). De todos os lados são garantidos a educação na formação do cidadão.
Outra lei que garante no Brasil a Educação Infantil é o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, que apoiado na LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), destaca que “a finalidade da Educação Infantil é promover o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, complementando a ação da família e da comunidade”.
Em 2006 é criado o Programa Nacional de Educação Infantil, o PNEI, que realizou várias pesquisas, estudos e formações para melhor trabalhar a educação com crianças de 0 a 6 anos, e juntamente com o então Comitê Nacional de Educação tenta elaborar planos para melhorias na Educação Infantil. Nesse meio, criam-se, em parceria com as secretarias municipais de educação e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UMDIME), oito seminários regionais (nas capitais: Belo Horizonte, Natal, Belém, Recife, São Paulo, Porto Alegre, Goiânia e Manaus) para discussão do documento preliminar.





[1] Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
[2] Lei nº 9.394: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial da União, Bra­sília, Seção 1, p. 1-9, dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 20 março 2013.
[3] Concepções com origem ilícita que promoviam o aborto, infanticídio ou abandono. Destinada a recolher crianças de mulheres livres brancas, pardas ou negras sem condição definida e sem família para protegê-las.

[4] Departamento Nacional da Criança (DNCr), Em 1940, KUHLMANN Jr. Moises, Histórias da educação infantil brasileira, revista brasileira de educação, 2000, p. 9.
ASSIS: Francisco das Chagas Marques Silva de: a atuação do gênero masculino na educação infantil: uma análise da realidade em duas escolas de educação infantil de parnaíba-pi. trabalho de conclusão de curso em LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA, UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUI- UESPI.2013
2.1  A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL  NO BRASIL


Neste capítulo serão abordadas algumas concepções sobre a história da Educação Infantil no Brasil, a partir do ponto de que a criança passa a ser reconhecia como tal e não como um adulto em miniatura, até a investigação de grandes teóricos como Ariés, Comênio, Montessori, Piaget, Vigotsky, Freinet e outros teóricos que contribuíram para o reconhecimento da criança como um ser em desenvolvimento que necessita brincar, correr, pular e aprender ao longo de seu crescimento.
A sociedade moderna do século XVI trouxe para seu cotidiano grandes mudanças em todos os setores, desde os sociais, morais, econômicos até os culturais e políticos, requerendo um novo contexto social, levando assim a tentativas inovadoras dentro do novo momento histórico pelo qual estava passando; surge então a luta contra o papado católico e o império, sendo que um lutava contra as inovações e o outro contra a igreja e para a implantação dessas novidades no século XVI. Almeida explica:

De um lado, os defensores da manutenção da estrutura social e das prerrogativas da igreja reorganizaram suas escolas de modo a garantir uma educação religiosa e a instrução em disciplinas eclesiásticas, por outro lado, aqueles que se rebelaram contra a estrutura social vigente, clamavam por uma instrução mais democrática, calcada em modelos populares e modernos, que permitissem ao homem lidar com os novos modos de produção, subvertendo as velhas corporações artesanais, permitindo-lhes descobrir e conquistar a nova sociedade (Almeida, 2002, p. 1).

Essa batalha entre “celestial x mundo terreno”[1] exigia uma grande multidão de seguidores de ambos os lados; se por um lado a igreja colocava-se contra as novas mudanças, alegando que seu ensinamento tinha como objetivo o salvamento das almas, o reino de Deus,


os defensores do mundo terreno buscavam algo mais concreto, com novas aprendizagens, novas técnicas de manuseio e outras formas de conquistar a nova sociedade. Encontraram nesse meio tempo vários teóricos que colocavam pontos de vista totalmente contrários uns dos outros: enquanto uns ensinavam na tentativa de salvar as almas, outros ofereciam o domínio das ciências, letras e instrumentos de produção (Almeida, 2002)


2.2  A Educação Infantil e os Grandes Teóricos Mundiais


Até então existiam apenas preocupações educacionais com os adolescentes/ jovens e homens (Almeida, 2002). Foi em meados do século XVII que a criança passou a ser vista como ser humano, fazendo parte das preocupações educacionais; assim, a família iniciou um cuidado maior com a Educação Infantil, que até então era subdividida com outras famílias, como explica Almeida:  

Mudanças significativas ocorreram nas atitudes das famílias em relação às crianças que, inicialmente, eram educadas a partir de aprendizagens adquiridas junto aos adultos e, aos sete anos, a responsabilidade pela sua educação era atribuída à outra família que não a sua. Apesar de uma grande parcela da população infantil continuar sendo educado segundo as antigas práticas de aprendizagem, o surgimento do sentimento de infância provocou mudanças no quadro educacional (Almeida, 2002, p. 2).

Apesar das poucas mudanças, as mesmas foram significativas e inovadoras, portanto, de grande valia para as novas gerações, uma vez que a atual já estava bem debilitada quanto ao quesito educação; as famílias passaram a ter um novo cuidado colocando a criança como prioridade no campo educacional, embora a grande maioria delas relutasse em manter a tradicional forma de educar. Com o surgimento do sentimento de infância que, segundo Ariés (1981), nasce no século VII.
No início do século VII, a criança passa a ter ensinamentos nas áreas de gramática e lógica aristotélica. Campanella (1568-1639) defende o direito de aprender ciências, geografia e os costumes sem parecer enfadonho; aprender isso brincando.
Alguns teóricos do século XVII, como João Amós Comênio, considerado o grande pedagogista do século XVII, escreveu a Carta Magna, uma brilhante obra de desempenho sempre atual, dividida em quatro períodos: infância, puerícia, adolescência e juventude.
No capítulo dedicado à infância, Ariés (1981) atribui aos pais a função de educar com responsabilidade os filhos até os sete anos, e esse capítulo infantil criou aspectos até os dias de hoje utilizados no processo da educação no que diz respeito à educação dos filhos pelas famílias. Mas é a partir do século XVIII que os pequenos passam a ter o seu próprio mundo e começam a sair da visão “adulto em miniatura” para serem os donos de sua infância, de uma educação voltada para ela como realmente é; e é sob o conceito de Jean Piaget que a criança passa a ter seu “período distinto de infância”. Almeida coloca que:

Procuram sempre o homem no menino, sem cuidar no que ele é antes de ser homem. Cumpre, pois, estudar o menino. “Não se conhece a infância; com as falsas idéias que se tem dela, quanto mais longe vão mais se extraviam”. A infância tem maneiras de ver, de pensar, de sentir, que lhes são próprias                     (Almeida, 2002, p. 4).

O conceito educacional até então voltado exclusivamente para o homem, na sua fase adulta, despertou em Rousseau indagações sobre como era o homem antes de o ser. Que fases ele percorreu? Por onde andou? O que fez? Alerta ainda que quanto mais se demorou a estudá-lo, mais informações eram perdidas sobre a sua infância. Rousseau recomenda que a educação esteja ligada à própria vida da criança, propiciando condições de vivê-la o mais intensamente possível.
Um dos grandes teóricos preocupados com a Educação Infantil foi Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), considerado o “educador da humanidade”, sendo também um dos precursores da educação - influenciado por Rousseau - que no seu sistema pedagógico tinha a ideia de oferecer às crianças a aquisição dos primeiros elementos do saber.
 Já no século XIX, Friedrich Froebel (1782-1852) cria os jardins de infância, onde colocava como ponto principal a cultivação da alma infantil; Froebel fundamentou suas ideias em Pestalozzi, e, aplicando-as, indica que é preciso trabalhar a primeira infância, e essa tarefa se estenderia por todas as suas áreas de desenvolvimento.
No fim do século XIX e meados do século XX, surge a Escola Nova, que rompendo com a igreja católica renova a pedagogia; nesse contexto surge Ovide Decroly (1871-1932) que ao trabalhar com crianças “anormais” se apoiava na atividade individual de cada criança. Criou o sistema em que os fins e os princípios superassem a Escola Tradicional, e concluiu que o que realmente interessa para a criança é ser reconhecida como tal e no lugar em que vive.
Para John Dewey (1859-1952), considerado o teórico da escola ativa, é necessário retirar do professor o direito de saber de tudo e corroborar que o fardo do conhecimento precisa ser dividido, para que professor e aluno possam fazer essa descoberta do conhecimento juntos. Para tanto, o autor enfatiza que é de extrema importância o trabalho coletivo entre docente e discente em busca da construção da cidadania por meio de aulas dialógicas.
Assim, ele defende a criança com seus direitos e seus valores e a formação da personalidade humana, fazendo com que a independência de métodos antigos deixe de existir, provocando mudanças e substituindo os métodos falhos da educação por outros que realmente façam as crianças conceberem o processo de ensino.
 Não seria possível deixar Freinet (1896-1966) passar despercebido no processo de Educação Infantil com suas técnicas de texto, impressos, correspondência escolar, textos livres, livre expressão, aula passeio, o livro vida. Esse leque de eventos faz sentido no contexto de atividade significativa, e com esses apelos as crianças buscavam o conhecimento, pois faziam parte do processo de aquisição da aprendizagem, e assim, em busca de uma satisfação maior, tinham um esforço maior.
Mesmo não sendo pedagogo, Jean Piaget (1896-1980) deixou uma grande e extensa obra sobre descobertas em vários campos, como social, afetivo, biofisiológico e cognitivo, contribuindo para o campo pedagógico, embora essa não tenha sido sua real intenção, como afirma Almeida:

Estou convencido de que os nossos trabalhos podem prestar serviços à educação, na medida em que vão além de uma teoria do aprendizado e permitem vislumbrar outros métodos de aquisição de conhecimentos. Isso é essencial. Mas como não sou pedagogo, não posso dar nenhum conselho aos educadores. A única coisa que posso fazer é fornecer fatos. Além do mais, considero que os educadores estão em condições de encontrar por si mesmos novos métodos pedagógicos (Almeida, 2002 p. 11).

Sendo um não atuante direto no campo pedagógico, Piaget coloca à disposição dos pedagogos os fatos, descobertas e métodos capazes de auxiliarem o educador no processo ensino-aprendizagem da Educação Infantil e outros aspectos relevantes como a construção das noções de tempo e espaço e a gênese das operações lógicas.
Seguindo muitas reiterações de Max, Lev Semenovich Vygostsky (1896-1934) encaixou a criança no centro do processo educacional, alegando que seu desenvolvimento  precisava de toda a atenção, uma vez que nessa fase da vida se trabalha os instrumentos da fala. Assim, o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual a criança penetra na vida intelectual daqueles que o cercam.
O processo educacional infantil, alicerçado em qualquer teórico citado ou não, sempre esteve sendo aplicado pelas mulheres, e quase nunca, ou em algumas épocas, se ouvia falar do gênero masculino na Educação Infantil; ainda hoje esse processo é muito hegemônico quando se trata do gênero feminino como profissional dos anos iniciais. É necessário trabalhar a cidadania para que essa barreira do preconceito deixe de existir, pois o gênero masculino pode ser perfeitamente um ótimo professor de Educação Infantil e ser pai, irmão e amigo ao mesmo tempo.
Até então existiam apenas preocupações educacionais com os adolescentes, jovens e homens. “É em meados do século XVII que a criança tende a ser vista como tal, fazendo parte das preocupações educacionais” (Almeida, 2002). Aqui, a família passa a ter um cuidado maior com a Educação Infantil. Falar da história desse segmento é relembrar coisas que até então pertenciam somente a pais, mães e à família em geral; para chegar ao ponto em que estamos, foi necessário que a criança tivesse porta-vozes. Estes, claro, não poderiam ser outros se não os adultos, que entendiam que a criança era um adulto em miniatura, imputando-lhe regras, deveres e obrigações - como se a mesma o fosse.
Mesmo que o início da preocupação com a Educação Infantil tenha vindo do lado feminino, como afirma Ariés (1981), foi somente no século XX que a primeira mulher se propôs a criar métodos para o desenvolvimento da criança quanto à educação. Maria Montessori (1870-1952) é considerada o mais importante nome no processo de radicalização da criança, como coloca Almeida:

Se abolíssemos não só o nome, mas também o conceito comum de método para substituí-lo por outra indicação, se falássemos de “uma ajuda a fim de que a personalidade humana pudesse conquistar sua independência, de um meio para libertá-la das opressões, dos preconceitos antigos sobre a educação”, então, tudo se tornaria claro. É a personalidade humana e não um método de educação que vamos considerar é a defesa da criança, o reconhecimento científico de sua natureza, a proclamação social de seus direitos que devem substituir os falhos modos de conceber a educação. (Almeida, 2002 p. 10)

Defender a criança com seus direitos e seus valores e a formação da personalidade humana, fazendo com que a independência de métodos antigos deixe de existir, provocando mudanças e substituindo os métodos falhos da educação por outros que realmente façam a criança conceber a educação.
Áries (1981) entra neste cenário como o grande precursor da história da Educação Infantil. Depois de aprofundados estudos, pesquisas e vasto material etnográfico, relata como vivia a criança entre os séculos XII e XVII e qual sua posição na sociedade e na família. De acordo com Rocha:

É sempre, quer ou não, uma história comparativa e regressiva. Partimos necessariamente do que sabemos sobre o comportamento do homem de hoje, como de um modelo ao qual comparamos os dados do passado. Com a condição de, a seguir, considerar o modelo novo, construído com o auxílio dos dados do passado, como uma segunda origem, e descer novamente até o presente, modificando a imagem ingênua que tínhamos no início (Rocha, 2002, p. 53).

Fazer essa comparação entre o passado e o presente coloca Ariés (1981) como um grande exemplo na defesa da criança como ser pensante, capaz de expressar seus sentimentos e ações de forma compreensiva. Porém, não era essa a visão do adulto no passado; por serem pequenas, eram vistas como seres em miniaturas, mas com inteligência desenvolvida. Não necessitavam ser ensinadas ou treinadas, tampouco precisavam de atenção enquanto criança: intituladas como adultos em miniatura, supunha-se que já tivessem maturidade suficiente.
Com essa visão, a criança era tida como um trabalhador normal a partir dos sete anos de idade, “o menor tinha de aprender os ofícios do pai ou da mãe, era tido como substituível”, Rocha (2002). Muitas pessoas definiam a idade da criança como primeira idade. É na infância que nascem os dentes, e esse período dura até os sete anos, e nesse momento aquilo que nasce é chamado de infante[2].
A criança era tida como um ser que não falava direito, portanto, não podia expressar reações ou sentimentos e não tinha o conhecimento da realidade que vivia; por isso, às vezes, depois dos sete anos, era mandada à casa de outras famílias para aprender algo novo, outros costumes, e realizava trabalhos como um adulto. Tudo era comentado na frente das crianças, pois se tinha o conceito que “era apenas um adulto que ainda não cresceu”, como coloca Rocha (2002). Não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido, sua inocência infantil não era leva em conta, suas características não eram respeitadas como deveriam ser.
Os pequenos eram tidos como simples objetos, e não se tinha um sentimento de amor, como nos dias atuais. Existia uma “busca pela criança saudável e se a mesma não tinha saúde era substituída por outra sem o menor remoço” Rocha (2000). Foi apenas na metade do século XVII, com a intervenção do poder público e da igreja (que não admitia o infanticídio), que o sentimento de amor materno passa a ser inserido, e a criança tende a ser comparada com o menino Jesus, a ser vista com um anjo pela meiguice; então, aumenta a preocupação com a saúde, a alimentação e os cuidados Rocha (2000). “As condições de higiene foram melhoradas e a preocupação com a saúde das crianças fez com que os pais não aceitassem perdê-las com naturalidade”. E começa a surgir a preocupação com o desenvolvimento e o bem-estar da criança, abrindo uma nova visão da mesma como criança e não mais como um adulto em miniatura.
Com essa nova construção sobre a infância, a criança passa a ser o centro das atenções nas famílias, servindo até mesmo de entretenimento para outros adultos. Segundo Rocha (2000), “ela faz cem pequenas coisinhas: faz carinhos, bate, faz o sinal da cruz, pede desculpas, beija a mão, sacode os ombros, dança, agrada, segura o queixo. Distraio-me com ela horas a fio”. De um ser que era visto como alguém que pensa e pode agir como um adulto, a um ser desejado pelos seus gracejos, sua fragilidade, seus encantos, a criança começa a ter vez e ser vista como importante para uma família e uma sociedade.
Voltando suas atenções para o mais novo objeto de desejo das famílias é que a sociedade passa a ter uma grande preocupação com o futuro dessa criança, criando centros educacionais para cuidar dos pequenos, com regras impostas no processo de doutrinação, onde os mesmos tendem a ser alvo de controle do poder para serem melhores cidadãos dentro dos padrões da sociedade na época, como coloca Rocha:

Com o surgimento desse “novo homem”[3], moderno, aparecem também as primeiras instituições educacionais, permitindo a concepção de que os adultos compreenderam a particularidade da infância e a importância tanto moral como social e metódica das crianças em instituições especiais, adaptadas a essas finalidades (Rocha, 2002, p. 57).

 Com a sua nova posição dentro da sociedade, a criança tende a ter um papel social, dentro da família e no cotidiano, fortalecendo laços entre pais e filhos; essa nova fase da infância é diferenciada, pois se antes era tida como um ser sem valor social até completar uma idade limite, agora ela assume uma posição de destaque dentro de uma família, passando a ser a alegria da casa e um novo foco da sociedade, seja na área educacional, seja como sujeito em construção de si para modificar o espaço social.
Nesse contexto histórico, Ariés (1981) coloca a criança como um ser desprezado e sem valor para a família, mas existem outros teóricos que contestam essa afirmação, “como, por exemplo, Kuhlmann Jr., Gélis, entre outros” como sugere Rocha (2000). Os pais enxergam através de seus filhos a possibilidade da administração dos bens familiares e, consequentemente, a ampliação dessa possessão.
Claro que essa atenção toda era voltada para o sexo masculino; esse seria o herdeiro que comandaria as propriedades familiares e, por consequência, a sua educação teria de ser muito bem feita. Mas não podemos descartar a possibilidade de, em outras épocas, as crianças terem sido alvo de preocupações e cuidados, com suas necessidades infantis atendidas.
A contribuição de Ariés para a construção da história da infância é inegável, mas algumas visões e releituras de outros documentos sobre como as crianças eram tratadas coloca-nos dentro de uma ótica onde se vê apenas a versão de Ariés, porém percebemos uma nova leitura das sociedades que antecederam a Idade Média. Segundo Rocha:

Esses autores, dando voz a diferentes documentos históricos, consideram que a percepção da infância pelos adultos existia em idades mais remotas, ou seja, havia a preocupação com a sobrevivência da criança, com a sua educação, sua religiosidade, os cuidados com o seu corpo, com sua alimentação, enfim, com uma época de aprendizagens, com brinquedos, roupas e construção de móveis e objetos apropriados à criança (Rocha, 2002, p. 57).

Com essa afirmação de Rocha, percebemos que mesmo antes de Ariés já existia uma preocupação com a criança; essa percepção mostra um cuidado diferenciado com a criança, e faz um contraste com a teoria de Ariés, que, embora não estivesse de todo errado, pois só na Idade Média que se observou como as crianças eram tratadas na família e na sociedade. Kuhlmann Jr. (1998) indica que: “A educação seria, pois, o cerne desse processo de elevação, somente os mais abastados financeiramente tinham essas regalias denominadas de educação, e mesmo os mais pobres não estavam desprovidos de tal”.
Mas se já era difícil ter acesso a informações dos mais ricos, imagine das camadas pobres. Não se pode afirmar como um todo que a Idade Média não tinha carinho com suas crianças, contudo é bem certo que elas não eram vistas como seres que proporcionavam um crescimento para a sociedade, e, ao mesmo tempo, também se esperava muito delas, na esperança de assumirem a fortuna e dar continuidade ao sobrenome da família, como destaca Rocha:

As aprendizagens da infância e da adolescência deviam, pois, ao mesmo tempo fortalecer o corpo, aguçar os sentidos, habilitar o indivíduo a superar os revezes da sorte e, principalmente, a transmitir também a vida, a fim de assegurar a continuidade da família (Rocha, 2002, p. 58).

Essa educação era voltada para preparar a criança e colocá-la no mundo adulto, para que a mesma fosse forte desde pequena; assim, era trabalhado o fortalecimento do corpo. Seus sentidos eram extremamente aguçados, a fim de poder desenvolver um bom trabalho quando adulto; eram treinadas também suas habilidades de poder reverter alguma situação conflituosa e, acima de tudo, como não deixar morrer o sobrenome da família, assim como não perder os seus bens e valores - sejam morais ou patrimoniais.
Contraponto Ariés, que coloca a criança apenas como um objeto dentro da família e da sociedade medieval, percebemos que a realidade não era bem assim; existia sim esse descaso, mas não é possível generalizar. O sentimento de infância não seria inexistente em tempos antigos ou na Idade Média, como estudos posteriores mostraram. Esse sentimento pode ser percebido em estudos, relatos e vestígios da Idade Média; não seria possível que uma família que quisesse dar continuidade à sua linhagem não pudesse ser afetiva com seus pequenos.
As afirmações de Ariés, de forma geral, sobre o papel da criança na sociedade e na família, estão ligadas às suas pesquisas, aos seus sujeitos, ou seja, somente a classe rica, que não tinha outra opção a fazer além de instruir a criança para aprender rapidamente tudo que necessitava para ser um adulto, e assim acabar com o lado infantil, como enfatiza Rocha:

Por um lado, temos a criança rica, evidenciada principalmente na particularização da educação de meninos, enclausurados num espaço íntimo com sua família, ocupados com aprendizagens para a vida social, com regras de etiqueta e de moralidade que deveriam saber e seguir, bem como a aprendizagem de música, dança, leitura e a utilização de roupas adequadas às características da criança. Temos também os chamados precoces ou prodígios, por uma elite que acelerava o desenvolvimento de seus filhos homens para fazer demonstrações de seus dotes (Rocha, 2002, p. 58).

Ao acelerar o desenvolvimento, era perdido o lado infantil, mas isso não quer dizer que se perdia o lado afetivo, o lado cuidadoso, embora fosse relatada uma enorme diferença no processo de educação entre as crianças pobres e as mais abastardas financeira, social e culturalmente. E mesmo nas camadas mais pobres a educação existia; crianças participavam de eventos nas praças, com os jogos e brincadeiras de adultos, talvez até vestidas como eles; por outro lado, é possível inferir a existência da infância pobre percebida nas crianças do povo, com filhos de camponeses e artesões, vivendo em espaços compartilhados com todos.
O ser criança, sob a visão de Ariés, era um objeto na Idade Média, que podia realizar coisas e feitos da mesma forma que um adulto, uma vez que ela era tida como um adulto em miniatura, com as mesmas capacidades de compreender, falar e fazer. Ser criança na Idade Média era não brincar e não correr, coisas estas que somente depois de um bom tempo que ela conquistou se perderam: o brincar não existia, pois não tinha tempo; o falar não era compreendido, porque pouco se prestava atenção no que ela falava; desejos e vontades também não eram permitidos de se externar, uma vez que ainda não era um adulto formado. Restava apenas aprender com o que viam e conviviam.
Embora não se possa generalizar essa subsistência da infância na Idade Média, existem conflitos entre escritos que se confrontam e criam dualidades sobre a infância no período. Mas também podemos chegar à conclusão de que se as famílias, principalmente as mais ricas, quisessem manter sua linhagem, seus bens e, sobretudo, seu sobrenome vivo, era necessário que se cuidasse com carinho e atenção de seus filhos. Nesse confronto entre teóricos, onde todos estão corretos dentro de seus achados ao longo do tempo, podemos dizer que a criança depende muito de sua condição financeira para confirmar se teve ou não uma infância como criança.
Ariés (1981) compreende a criança como um ser em miniatura dentro da sociedade e da família, porque era realmente assim vista; coloca também a criança como um elemento cujos pensamentos, falas e atos não eram compreendidos. Ao mesmo tempo alerta que uma sociedade que não cuidava de seus pequenos tinha uma tendência a regredir. Por isso, cita a educação como algo essencial ao desenvolvimento, e ganha aliados para fazer da criança um ser brincante, falante e compreendido no mundo em que vive.




[1] Nesse período, com a ascendência da burguesia, que visava o lucro, travou-se uma grande batalha com a igreja católica, que pregava uma educação mais tradicional e não aceitava os novos métodos de aprendizagem que a burguesia queria implantar.
[2]Infante: o mesmo que criança, que quer dizer não falante, pois nessa idade a mesma não pode falar bem nem formar perfeitamente suas palavras.
[3] Expressão usada para identificar um homem mais moderno, mais ligado com os assuntos familiares, mais carinhoso, cuidadoso com os filhos, que não deixa a responsabilidade da educação somente com a mulher ou esposa.



BIBLIOGRAFIA:
ASSIS:Francisco das Chagas Marques Silva de. A ATUAÇÃO DO GÊNERO MASCULINO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE DA REALIDADE EM DUAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE PARNAÍBA-PI. trabalho de conclusão de curso de LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUI- UESPI. 2013